“Não pense que eu lhe dei meu coração. Ao contrário do que sonha o amado, o que ama apenas empresta seu coração não o dá em definitivo. E o faz não para satisfazer o outro, mas a si mesmo. Como se trata de um empréstimo. Agora eu o quero de volta, para dá-lo a um outro alguém, que não o ponha entre as bugigangas, como diz aquela canção da Rita Lee que embalou nossas noites de muito papo e pouco sexo, muito pouco sexo.
Mas, ao mesmo tempo, um outro alguém que tenha aquela mesma luz que me levou até você. Se é certo que só somos felizes na vida quando amamos muitas vezes, não é menos verdade que, em todas as vezes, sempre amamos a mesma coisa em pessoas diferentes.
Na verdade, os nossos amores são sempre os mesmos. Você é, de alguma maneira, a pessoa que eu amei antes de você, e assim retroativamente, até chegar ao amor puro, aquele sem sujeito, nem predicado.
Sendo assim, devolva meu coração e o amor que carrego dentro dele. Quero espaná-lo, limpar o pó que vinha desbotando seu vermelho e entregá-lo a alguém que admire sua cor. É isso mesmo!
Meu amor agora não tem mais rosto, graças a Deus. Estou livre das noites insones, das declarações de amor não correspondidas e do chão frio; sim, pois eu cheguei a rastejar, se é que você não percebeu.
Meu amor agora não tem mais rosto, graças a Deus. Estou livre das noites insones, das declarações de amor não correspondidas e do chão frio; sim, pois eu cheguei a rastejar, se é que você não percebeu.
Não tenho mais de esperar pelas palavras vãs que sua boca jamais soltou – “eu amo você”. Vou procurá-las, agora, em outras bocas. Estou livre de seu capricho de ter um coração empoeirado na estante. Perdi o costume de encontrar você toda noite para não ganhar sequer um beijo seco. Apaguei aquela sua chama de frio que me congelava. Quero o meu coração de volta pq ele nunca foi seu. Como não posso pedir também a marca que ele vai deixar no pó que cobre a sua estante, espero que ela faça você calcular o tamanho do amor que um dia teve nas mãos. Até que o pó cubra novamente essa marca, ela vai ser o único vestígio do meu coração entre as suas quinquilharias, como se eu estivesse presente na sua solidão.”
Jean Wyllys in “Ainda lembro”
Jean Wyllys in “Ainda lembro”